Luta pela adoção premia um batuirense
O processo de adoção de uma criança ainda é visto, muitas vezes, de uma forma romântica. Vê-se como um ato de amor e de caridade que sempre vai dar certo, independentemente das histórias de vida que se cruzam e da grande expectativa que envolve as crianças adotadas e seus futuros pais. A realidade é bem diferente. Nem sempre a família está preparada. E em casos de crianças maiores, que passaram por abrigos, o desafio pode ser ainda maior, porque elas já trazem um histórico de vida que requer mais atenção e compreensão.
Mas existe uma entidade nacional que reúne grupos de apoio à adoção justamente para aparar essas arestas e trabalhar em prol da convivência familiar, sempre em sintonia com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Trata-se da ANGAAD – Associação Nacional de Grupo de Apoio à Adoção, que, neste ano em que completa 22 anos de existência, ganhou um estímulo muito especial. Chamado de “Construindo Histórias e Transformando Vidas”, o projeto da entidade para a formação de profissionais, que visa adoções bem-sucedidas, foi uma das 18 iniciativas que receberam, no dia 19 de novembro, o Prêmio Brasil Amigo da Criança 2021 do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Presidente e fundador da entidade, Paulo Sérgio Pereira dos Santos guarda fortes laços com o Grupo Espírita Batuíra, que ele passou a frequentar quando criança, após ser adotado por Antonio e Wanda Pereira dos Santos – ela, a primeira diretora da Escola de Moral Cristã do GEB. Paulo Sérgio também foi integrante da Mocidade Espírita Batuíra. O primeiro grupo de apoio à adoção na cidade de São Paulo, o Acalanto, nasce a partir de sua família e da experiência na adoção de crianças. E, claro, sob inspiração dos preceitos espíritas.
O prêmio
Paulo Sérgio afirma que o Prêmio Brasil Amigo da Criança representa muito para a entidade, pois é a primeira vez que o Estado brasileiro reconhece o trabalho desenvolvido nesses 22 anos.
– Fomos premiados na categoria Fortalecimento de Capacidades Protetivas da Família. É o reconhecimento de um esforço que fazemos para que as adoções sejam legais, seguras e para sempre. Trouxemos especialistas internacionais para dar esse treinamento e também profissionais que atuam tanto no serviço técnico de varas da infância e da juventude, quanto no sistema de acolhimento institucional, que são os abrigos – explica Paulo Sérgio.
Segundo ele, os treinamentos buscam passar um quadro bastante realista das situações de adoção, em que há muitas dores a serem trabalhadas. São dificuldades naturais, diante de emoções provocadas, às vezes, pelo trauma do rompimento com a família biológica da criança. Há também o lado dos pais, que querem adotar e sofrem pelo luto da infertilidade.
– Minha história de vida contribuiu muito para que eu desenvolvesse esse trabalho. Minha família tem uma vivência particular com a adoção. Eu fui adotado e, além dos meus pais – que tiveram quatro filhos biológicos e quatro adotivos –, eu e meus irmãos também temos filhos adotivos. Eu fui o primeiro a ser adotado pelos meus pais e admiro a coragem deles ao fazer uma adoção inter-racial na década de 70. Isso foi numa época em que as pessoas não perguntavam se eu era o filho adotado, mas indagavam se eu era o ‘negrinho’ que minha mãe tinha pego para criar – explica.
Paulo Sérgio acrescenta que o pacote afetivo de sua família foi intenso e lhe deu a base para que tivesse o seu projeto de vida estabelecido e influenciasse o projeto social que ele desenvolveu na ANGAAD. Conta, ainda, que sua esposa não tinha a experiência da adoção em sua família, mas abraçou a causa ao seu lado e hoje eles têm 11 filhos: três biológicos e oito por adoção. Ele explica que conheceu a esposa Sueli na Mocidade Espírita Batuíra e, juntos, começaram a pensar, na década de 80, na necessidade de que fossem criados grupos de apoio à adoção. Nessa empreitada, tiveram como companheiros de caminho Roberto Mesquita, Ricardo Pastore, Walter Bataglia, Iara Longano, entre outros.
Hoje, há mais de 200 grupos de apoio espalhados pelo Brasil e o trabalho desses grupos não ajudou só as crianças e as famílias que buscavam adoção: também influenciou as políticas públicas do país e deu suporte para que fosse instituída, por exemplo, a licença-maternidade para a mãe adotiva, em 2002. Outra ação positiva que Paulo Sérgio ressalta foi o trabalho que resultou na alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 2017, estabelecendo novos critérios e prazos ao processo de adoção, e criando regras para abreviar a adoção no Brasil.
Para Paulo Sérgio, o desafio dos movimentos sociais hoje é dar um alinhamento ao atendimento da infância e juventude.
– A adoção pode dar visibilidade às crianças que estão invisíveis nos abrigos e não estão tendo o direito de viver em família. Estamos vivendo um momento de muita violência contra a mulher e contra a criança. O poder público tem quer ser cobrado para protegê-las – conclui.
Paulo Sérgio é irmão do médico Marco Antonio Pereira dos Santos, membro do Conselho de Administração do Grupo Espírita Batuíra. Para ele, o prêmio recebido por Paulo Sérgio, em nome da Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção, representa o sonho de sua família na luta pelos menores abandonados nesse país.
– O prêmio nos leva a refletir que, às vezes, uma mensagem simples, nascida num grupo familiar, pode alcançar uma dimensão nacional, como está acontecendo hoje – pondera Marco Antonio.
“Agrada a Deus quem estende a mão a uma criança abandonada, porque compreende e pratica a sua lei.” (Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo XIII, item 18) |
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- Texto: Rita Cirne
- Publicado no Batuíra Jornal nº146