Ronda Noturna: amor num café com leite quente
Que inverno! Quantos dias com baixas temperaturas temos tido este ano, não é? Para quem tem agasalhos, come sempre quando tem fome, e conta com uma cama quentinha e um teto seguro, a estação mais fria do ano pode ser interessante. Mas para quem mora nas ruas, o inverno é um desafio à sobrevivência, o que torna o trabalho da Ronda Noturna do Grupo Espírita Batuíra ainda mais importante.
“Boa noite, irmão, aceita um café com leite, um cobertor?”
É assim que os 130 voluntários do trabalho abordam mulheres e homens – eles a imensa maioria – com a oferta do que supre a necessidade imediata contra a fome e o frio. Ao longo de todo o ano, as equipes prestam ajuda de segunda a quinta e aos sábados, em diferentes regiões da cidade.
- Normalmente são 12 rondas por mês, mas no inverno, aumentamos para 21, a fim de atender os necessitados, - explica Sérgio Thomaso, coordenador da Ronda Noturna há 8 anos.
Distribuem-se em média por ano, 3400 litros de café com leite, 20 mil lanches – com pão feito pelos alunos do Curso de Panificação do GEB, em Vila Brasilândia - 3500 cobertores, 10 mil peças de roupas. Alguns grupos ainda incrementam a doação com bolachas, água. No Natal passado, os voluntários cotizaram e deram mini panetones aos assistidos.
O atendimento à população de rua foi instituído no Grupo Espírita Batuíra há 22 anos. Após uma Distribuição Semestral, sobraram cobertores, que foram dados a moradores de rua, por recomendação de Doutor Bezerra de Menezes, através da mediunidade de Spartaco Ghilardi. Os voluntários gostaram tanto da ideia, que virou um trabalho rotineiro na casa.
Como lembra Sérgio Thomaso, a iniciativa vai muito além da doação material:
- O trabalho mostra às pessoas que estão na rua, que apesar das condições de vida tão ruins, elas são lembradas e amadas. Os voluntários deixam suas casas, famílias para se dedicarem aos necessitados e isso toca o coração sofrido dessas pessoas. Uma palavra, um olhar, a conversa acalmam e dão estímulo a almas sofridas – explica o coordenador.
Quem ganha mais
O trabalho e a dedicação dos voluntários fazem diferença para quem tem uma vida com tantas privações, mas sem dúvida, eles são igualmente, ou até mais, beneficiados, porque têm a chance de aprender sobre o amor ao próximo na prática. Como reclamar da vida diante de quadros tão dolorosos?
Antonio Garrido Brusco, de 78 anos, está na Ronda desde o início. Conta que faz com muita satisfação o atendimento aos irmãos de rua:
- A gente se preocupa muito nessa época do frio, e procura dar carinho e atenção, é uma maneira de atenuar o sofrimento, de quem, em alguns casos, tem na vida sem casa um compromisso reencarnatório. A ronda também promove a união da minha família. Minha filha está na mesma equipe de voluntários que eu. E meu filho é quem me ajuda a preparar o leite que servimos.
Voluntárias do trabalho Ronda Noturna preparando os lanches para distribuição aos moradores de rua.
Lições para todos
Quem participa da Ronda Noturna, como de todo trabalho assistencial voluntário, coleciona histórias de grande conteúdo moral, que ensinam a ver a vida de outro ângulo, e valorizar o ser humano. Permitam um depoimento pessoal desta que escreve. Numa noite fria de sábado, quando integro uma das equipes da Ronda, atendi um rapaz na calçada de uma praça, perto da Santa Casa de Misericórdia. Limpo, sóbrio, cabelo cortado, via-se que fazia pouco tempo estava na rua. Meu coração apertou. Do carro vermelho do GEB tirei o cobertor, e ele pediu que por cima, colocasse um plástico, que ele já tinha, para no caso de chover, não molhar sua única coberta. Meu coração apertou ainda mais. E quase instintivamente, disse: - Ah irmão, quanto sofrimento... E ele, também instintivamente, me respondeu: - É irmã, mas sofrimento traz entendimento. Aí, meu coração se acalmou. O que levamos anos estudando nos livros, acabava de ser ensinado na prática por alguém que parecia ter perdido tudo... menos a resignação. Quem você acha, que naquela noite, foi o mais assistido? Simone Queiroz. |
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- Texto de Simone Queiroz
- Publicado no Batuíra Jornal nº 136