Oficinas do Lar Transitório dão frutos
Tudo é fruto do que eles aprendem na Oficina de Jardinagem, que é oferecida há pouco mais de 2 anos, mas agora torna-se autossustentável. Os arranjos são feitos em vasos de cimento ou utilizam a técnica kokedama, com plantas aéreas, sem necessidade de jardineira.
Segundo Lúcia Gatti, voluntária responsável pela Oficina de Jardinagem, os assistidos estão animados com a chance de aprender e, ao mesmo tempo, colaborar com o Lar:
“Eles gostam muito do treinamento. E as plantas têm esse dom de mexer com a alma. É uma terapia, além de estimular a criatividade e melhorar a atividade motora. Os assistidos desenvolvem um maior respeito pelos companheiros, querem ajudar os que estão com dificuldades. Para se ter uma ideia, um participante da Oficina, quando saiu do Lar e foi para um abrigo, passou a ensinar jardinagem para os seus colegas de lá.”
Rosa Zulli, assistente social e gerente de Serviço do Lar, conta como foi a decisão de encaminhar os arranjos: “Ela foi tomada em conjunto com os assistidos, um processo muito interessante. Mostrei que estaríamos também ajudando a casa. A idéia foi aceita de forma super positiva e, a partir daí, começamos a levar para o bazar. Eles também fazem por encomenda hortinhas domésticas em pequenas jardineiras”, completa.
Lições para superação
Como nos lembra Rosa Zulli, mesmo o Lar Transitório sendo o local de acolhimento temporário, é possível, com as oficinas, incentivar também o resgate da autoestima, da dignidade, dos valores familiares, construindo assim o processo de saída das ruas.
“Após o pior período da pandemia, quando algumas atividades presenciais tiveram que ser suspensas ou realizadas através de plataformas digitais, as oficinas do Lar retornaram no mês de março, propiciando, cada uma do seu jeito, oportunidades terapêuticas e, também, de aquisição de novos conhecimentos.”
Roda de Conversa
Outra oficina bem aceita pelos alunos é a Roda de Conversa. Com bate-papos descontraídos, abordando conhecimentos gerais, culturais e, ainda, outros relacionados às histórias de vida dos assistidos, a professora Maria Inês Guimarães Naso busca levar cada um deles a encontrar a identidade perdida.
“Eu trago o conteúdo que eles pedem, mas em forma de poemas, canções, fábulas, que remetem à infância que eles esqueceram. Eles se consideram invisíveis para a sociedade, mas no tempo em que ficam aqui para tratamento, que leva em média quatro meses, começam a ter um novo eixo. Lembram que foram pessoas úteis e capazes. E que podem voltar a ser de novo no futuro”, explica. Ela tem notado o interesse deles por biografias de pessoas com histórias de superação, como a do jogador de futebol Walter Casagrande ou de personalidades como Martinho Lutero (um dos líderes da Reforma Protestante) e Chico Xavier.
Com a convivência e a troca de experiências, passam a se respeitar mais, desenvolvem o sentimento de solidariedade e ficam felizes quando o conhecimento que já têm é valorizado. Mesmo os que estão acomodados com a situação de rua em que vivem - e dizem estar acostumados a viver com as sobras que recebem de restaurantes - acabam refletindo sobre a diferença que é ter um tratamento como o que recebem no Lar.
Alfabetização e Reforço
Na Oficina de Alfabetização e Reforço, a proposta também é fortalecer a autoestima através de métodos modernos de alfabetização e de aulas de reforço para os que já possuem formação mais adiantada. A ideia é incentivar a volta aos estudos, facilitando a reintegração ao trabalho e à família. Segundo a pedagoga Valéria do Amaral Coutinho, responsável por essa oficina, enquanto alguns querem aprender a ler e escrever, outros querem aprimorar a leitura. Como na Roda de Conversa, na Alfabetização, o momento de leitura de textos proporciona reflexão sobre a vida e o que eles gostariam de mudar.
Músicoterapia
Na Oficina de Musicoterapia, os sentimentos e emoções ficam mais aflorados. Os assistidos demonstram que se sentem felizes. Na opinião da professora Magali Baldassin Jorge, a música tem o poder de contribuir para a melhoria da comunicação e facilita a expressão das emoções.
“Eles gostam de cantar e isso é muito bom! Não há necessidade de acompanhamento. Eles cantam e batem palmas para acompanhar o ritmo. Já tive um grupo que gostava de compor e chegou a criar a letra de uma música. Depois que cantam, eles comentam o que sentiram com a canção. Falam do passado, da juventude, das amizades que nem sempre foram boas. Outro dia, um apontou o companheiro ao lado e disse: ‘aqui encontrei um amigo!”
Segundo Magali, cada sessão de musicoterapia tem começo, meio e fim, pois como cada assistido tem um tempo para o tratamento, não é possível saber se na próxima semana alguns já terão tido alta e saído do Lar. Para ela, o importante é tocar a alma de cada um. Por isso, gosta de lembrar uma frase de Carl Jung (psiquiatra suíço): Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.
Plantio e Colheita
Como vemos, acolher, cuidar, renovar esperanças e projetos de vida são algumas das ações que fazem da Casa de Cuidados Lar Transitório Batuíra um lugar tão especial. Desde que foi criado, em 29 de agosto de 2002, o Lar oferece às pessoas em situação de rua, que convalescem de procedimentos cirúrgicos, algo que vai muito além do tratamento das feridas físicas. A proposta é devolver a autoestima para quem vive hoje a solidão das ruas. O trabalho de todos os funcionários e voluntários é como semente que todos os que passam pela Casa têm o resto da vida para regar, cuidar e colher.
Claudemir Alberto do Nascimento Mariz, de 40 anos, adora as oficinas do Lar e se motiva em saber que está criando uma nova condição para se reinserir no mercado de trabalho. Ele trabalhava com pintura e letreiros, e está há dois meses no Lar, recuperando-se de uma cirurgia feita depois que quebrou a perna em dois lugares. Ele conta que frequentou a escola até a sétima série, quando precisou trabalhar, e admite que parou também por causa das drogas. “Eu gostei de tudo aqui no Lar. O trabalho que eles fazem aqui é muito bonito, principalmente a atenção que dão a todos. E tem também a reunião espiritual de quarta-feira. Eles sempre têm uma palavra de ajuda. E um sorriso. Eu não conhecia nenhuma casa espírita e estou adorando. É uma casa acolhedora”, afirma. E acrescenta que agora está com vontade de estudar e também de voltar a conviver com a sua família, que é de Sorocaba, e que ele não vê há dois anos. “Agora vou levar muito aprendizado. Vou esquecer o passado. Minha mãe faleceu há três meses e sei que, onde estiver, ela vai ficar feliz de me ver bem”, conclui. |
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- Texto de Rita Cirne
- Publicado no Batuíra Jornal nº 148