Para não se esquecer de Yvonne Pereira
Para Pedro Camilo, advogado, professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e autor de vários livros espíritas, divulgar a obra e a vida da médium Yvonne Pereira é quase uma missão. Na tarefa de não deixar que sua obra seja esquecida, ele não mede esforços em fazer pesquisas nos locais onde a médium viveu, em estudar as cartas e livros que ela escreveu e em entrevistar seus parentes e amigos. O fruto dessas pesquisas pode ser conferido em livros e palestras que emocionam leitores e ouvintes.
“Ela teve uma vida notável que é desconhecida do movimento espírita. Nós nos esquecemos de grandes escritores espíritas como o baiano Deolindo Amorim e o paulista Herculano Pires. Precisamos mudar isso. No meu caso, entrei em contato com a biografia de Yvonne em 1999, quando li um livro sobre mulheres médiuns brasileiras. Fui atraído pela sua história e resolvi pesquisar mais sobre a sua vida. Eu percebi que havia algo mais para ser contado”, explicou o autor baiano. Depois de quatros anos de pesquisa, publicou em 2003 seu primeiro livro sobre a autora, o “Yvonne Pereira: uma heroína silenciosa”. Mas suas pesquisas não terminaram aí. Em seguida publicou “Pelos caminhos de uma mediunidade serena” e “Devassando mediunidade”. Mais recentemente lançou o “Yvonne Pereira: entre cartas e recordações”.
Dentre os fatos marcantes da vida da autora, Camilo citou a crise de catalepsia que a médium sofreu com 29 dias de vida, que fez seus parentes acreditarem que ela estivesse morta. Ele lembrou ainda que aos quatro anos, ela passou por uma explosão mediúnica, começando a ver os espíritos daqueles que haviam sido seu pai e seu marido em sua última encarnação. Dividida em dois mundos, ela tinha dificuldade de conviver com sua família atual, chamando por seu pai da vida passada. Assim, dos 4 aos 11 anos, devido às crises causadas por sua forte mediunidade e pela necessidade de atenção constante, viveu com sua avó paterna, época em que afogava suas bonecas no rio, provavelmente trazendo à tona lembranças da encarnação em que se suicidou no rio Tejo, em Portugal. De volta à casa dos pais, assiste a reuniões mediúnicas com apenas 11 anos de idade, quando começa a ter contato com o espírito do Dr. Bezerra de Menezes que a acompanhou até o seu desencarne.
“É importante esse fato, pois hoje as crianças enfrentam dificuldades para assistir reuniões mediúnicas. Muitos dirigentes espíritas esquecem que Kardec tratava a mediunidade como algo natural e trabalhou com médiuns jovens, na codificação da doutrina. Nós estamos indo na contramão de Kardec, pois se ouve por aí que os jovens não podem praticar a mediunidade. Mas, não é da maturidade do corpo que se necessita para a mediunidade, e sim da maturidade do espírito”.
Camilo lembrou ainda que aos 26 anos, a médium foi morar em Lavras, Minas Gerais, onde viveu os anos de maior produtividade de sua atividade mediúnica. No Centro Espírita de Lavras, pôde participar de sessões de materialização e também atuar com vários tipos de modalidades mediúnicas, pois era médium de vidência, de cura, de audiência, e de premonição, entre outros. Grande parte dos livros que escreveu foi escrita em Lavras. E entre eles está “Memórias de um suicida”.
“Esse livro continua sendo uma obra imortal. Escrevê-lo era o seu grande compromisso com o plano espiritual. Para poder escrevê-lo, ela teve o primeiro contato com Camilo Castelo Branco quando tinha só 12 anos de idade e não sabia quem ele era. Só depois de ver uma foto dele em um livro descobriu que se tratava de um escritor português. Ele começa a escrever suas memórias através da mediunidade de Yvonne em 1926 e só termina em 1942”, relatou Camilo.
Em sua opinião, muitos espíritas se negam a ler esse livro por considerá-lo muito pesado, mas esquecem a época em que foi escrito e as características do seu autor, que era um escritor romântico, habituado a escrever de forma muito descritiva. Além disso, a proposta do livro era prevenir o suicídio e, na época, se acreditava que a melhor forma de educar era o medo, para que as pessoas recuassem da ideia de suicídio. Mas ainda hoje tem um valor inquestionável.
“E onde eu vou fazer palestras, ouço o testemunho de pessoas que dizem ter desistido da ideia de suicídio após terem lido esse livro. E esse é um assunto que tem hoje mais visibilidade do que antigamente. Por isso, o trabalho de Yvonne Pereira como exemplo de médium e, em especial, por seu livro Memórias de um Suicida é tão importante. Esse livro representa um hino de amor à vida. E Yvonne é muito especial por ser gente como a gente e uma pessoa que não se abateu com as dificuldades que enfrentou”, concluiu Camilo, que tem agora como uma de suas metas a inauguração de um local, na Bahia, voltado para as questões de mediunidade. Com previsão de inauguração para abril do próximo ano, o futuro instituto se propõe a ser um espaço destinado às pesquisas para a produção de estudos e reflexões em torno da mediunidade, com pesquisa de campo e experimentação. E o seu nome já mostra a influência que terá da médium, pois se chamará Instituto de Mediunidade Yvonne Pereira.
Texto de Rita Cirne, publicado no Batuíra Jornal nº 119.